Nacionalismo(s) e Nação
Confesso que o facto de não ser crente dificulta a minha adesão ao tríptico "Deus, Pátria, Rei". A hierarquia a este subjacente coloca a Pátria num plano inferior ao da divindade. Se o compreendo perfeitamente à luz do papel da religião católica em toda a história de Portugal, não deixo de crer que para um nacionalista a Pátria deve vir primeiro. De outra forma poder-se-ia cair na tentação de alianças com outros países católicos com intenções menos claras a nosso respeito. Conjunturalmente pode ser bem mais benéfica para Portugal uma aliança com a India, por exemplo, que com Espanha- tudo depende dos dados de momento e das condições de afirmação da independência.
Hoje, muitos nacionalistas hesitantes ou ex-nacionalistas realçam os horrores, as arbitrariedades, as insanidades que o apego à ideologia nacionalista terá provocado. A questão que se deve pôr é se esses horrores e essas arbitrariedades são um exclusivo do nacionalismo ou se, como parece evidente, não foram apanágio de todas as ideologias no poder no século passado. A resposta positiva a esta interrogação deve-nos fazer suplantar este limiar da análise.
Para mim, qualquer reflexão sobre o nacionalismo deve ater-se, antes de mais, à essência da portugalidade: que singularidade tem a nossa Nação que lhe permitiu numa primeira fase assegurar a independência em um contexto altamente desfavorável, mantendo-a séculos a fio em contextos sempre desfavoráveis ou bastante problemáticos para a sua afirmação política e cultural.
Se, como salientava Franco Nogueira, a Nação é o quadro ideal para a afirmação das liberdades dos seus habitantes, só este factor deveria impelir os patriotas para a sua defesa integral e intransigente. A crescente integração económica e política no espaço europeu, a descolonização desastrosa e sem qualquer compensação futura para o civilizador de 500 anos, a imigração crescente e facilitada - são exemplos de ameaças actuais e gravíssimas à integridade da Nação. Tudo isto num contexto de desagregação dos valores tradicionais e enformadores da nossa essência portuguesa. Temos assim um quadro dos mais críticos para quem não desistiu de crer na viabilidade política, económica, social, cultural da pátria portuguesa.
Sendo as forças que laboram no sentido da dissolução dos traços distintivos de todas as nações extremamente poderosas e actuando as mais das vezes na sombra, torna-se o combate contra elas crítico e amiúde deixa uma sensação de impotência.
Se para encetar um caminho se deve dar um primeiro passo, há que saber que caminho é que se pretende fazer. Sendo a tradição renovada constantemente, como ensinava Sardinha, há que buscar os traços distintivos da portugalidade. Um bom exemplo dessa renovação são as relações com África: se até há trinta e um anos essas relações deviam ser estimuladas por África representar mais de 90 por cento do nosso território, hoje, apertados numa faixa de terra, deveremos pautar essas relações mais no âmbito económico, controlando os fluxos humanos provenientes de África, posto que ameaçadores da nossa identidade a médio prazo.
Também me parece difícil, como faz um confrade, encontrar pistas para o futuro de Portugal centrando a reflexão sobre filosofia política anglo-saxónica, deixando para segundo plano a tradição política nacional e os seus ensinamentos, ou raciocinando num quadro estático, alheio às mudanças em volta (de que o exemplo africano acima exposto é paradigmático).
Outros, ainda mais estrangeirados, buscam a salvação de Portugal fora das fronteiras nacionais, numa mítica Europa à qual somos em grande medida alheios. Há até movimentos neo-pagãos, tentando apagar com um traço dois milénios de cristianismo. Nada disto quer dizer que não devamos ter sólidas relações com outros países europeus, antes que não o devemos fazer abdicando da nossa independência (política e cultural - aqui, cultural em sentido amplo).
A realidade é o que é, não o que queremos que seja e não é fugindo-lhe que vamos ter um bom contributo para continuar Portugal.