03 fevereiro 2006

A subversão

Uma coisa há que reconhecer à esquerda: a persistência. Já nos anos 30 do século passado um deputado maçon francês lançava, tonitruante e ameaçadoramente: «Familles, je vous hais» («Famílias, odeio-vos»). Marx e Engels, no "Manifesto do Partido Comunista"(1848) diziam (citação de memória): «Acusam-nos de querer acabar com a família? Sim, confessamo-nos culpados desse crime».
Entre a táctica selvagem e sanguinária de um Pol Pot, que separou filhos de mães e pais (estes destinados ou à morte imediata ou a trabalhos forçados), cumprindo "à bruta" o bruto objectivo marxista, e os discípulos de Gramsci, que, lenta mas decididamente, trataram de se infiltrar em todas as áreas da cultura, da política, da educação, e que foram minando o sistema familiar dito burguês, influenciando opiniões, tornando com o tempo aceitáveis propostas que fariam corar de indignação qualquer pacato cidadão até há bem poucas décadas, está bem de ver quem é que ficou em condições de impor duradouramente a sua agenda ideológica plenamente subversiva das tradições culturais ocidentais.
Os subversivos, que odeiam o Ocidente e pretendem demolir, alicerce a alicerce, tudo o que se não coadune com os seus sinistros projectos utópicos, sabem que o que hoje é inaceitável amanhã passará a tolerável e depois de amanhã será encarado como normal. A cada "peça" do seu programa que mais se aproxime desta última situação (quando o anormal se tornou normal) cabe o epíteto "avançado"; é assim que as sociedades que podemos classificar como mais permissivas não são caracterizadas por este último e reaccionário epíteto mas por o de "avançadas", precisamente. As "outras", são as mais atrasadas, retrógadas, reaccionárias.
Para um jovem de sangue na guelra, martelado da escola à televisão, dos livros ao cinema, por esta forma de ver o mundo, a opção é natural. Mesmo que seja anti-natural. Como dizia a letra de uma música de um grupo "prá frentex", «being against Nature / is part of Nature too».
Mas também sabemos que a Natureza, lentamente ou não, reage às agressões de que é alvo. Veremos se essa "reacção" chega a tempo de se evitar uma tragédia.

11 Comments:

Blogger Paulo Cunha Porto said...

Toda a razão, Caríssimo. É que sendo essencial à sobrevivência das várias Esquerdas a mentalidade de conflito, seja o concorrencial, o igualitário ou o libertário, o reduto onde ele muitas vezes é aplacado não lhes convém. Logo há, do ponto de vista deles, que destruir as solidariedades alienantes... que são todas, excepto as revolucionárias.
Ab.

03 fevereiro, 2006 20:35  
Blogger Rodrigo N.P. said...

Clap, clap, clap. Muito bem analisado FG.

03 fevereiro, 2006 20:42  
Blogger vs said...

"Os subversivos, que odeiam o Ocidente e pretendem demolir, alicerce a alicerce, tudo o que se não coadune com os seus sinistros projectos utópicos..."

Finalmente, uma condenação inequívoca dos mafométicos.

BRAVO!BRAVO!

:o)

03 fevereiro, 2006 23:27  
Blogger vs said...

Ó homem, qual tragédia qual carapuça!

Francamente, que dramatismo...
Não o sabia apocalíptico.

Eu, por mim, nestes assuntos 'morais', aí é que sou mesmo liberal e estou-me completamente a borrifar.

"... agenda ideológica plenamente subversiva das tradições culturais ocidentais."

As actuais 'tradições' ocidentais são, também elas, resultantes de cortes revolucionários.
Na altura em que se impuseram foram revolucionárias e geraram resistências.
A História da Europa isso demonstra.
Nada é imutável.
Nada.

"... é assim que as sociedades que podemos classificar como mais permissivas não são caracterizadas por este último e reaccionário epíteto mas por o de "avançadas", precisamente. As "outras", são as mais atrasadas, retrógadas, reaccionárias."

Parece-me óbvio o porquê disso e apoio incondicionalmente.
Tenha paciência, mas nisto estamos em completo desacordo.
Assim, e pegando num exemplo da actualidade, eu não hesito um segundo em classificar a Noruega, a Dinamarca, a França, a Suécia, a Holanda e a Espanha como sociedades Avançadas e o 'Mundo Islâmico' como, no mínimo, um antro do mais deplorável atraso e, em alguns casos, barbárie.

Curiosamente, ou talvez não, as sociedades Avançadas são também as mais prósperas e com melhor qualidade de vida. As outras...
Regra geral, quando um sociedade Atrasada (ou reaccionária, se preferir) 'evolui (através de um complexo processo) para sociedade Avançada, a prosperidade e a melhora da qualidade e condições de vida são óbvias e, depois, já ninguém que 'trocar'.

" Mesmo que seja anti-natural."

Não vá por aí.
Tudo o que existe na Natureza, sem intervenção da 'abstracção' humana é NATURAL, mesmo porque essas 'coisas' são preexistentes ao Homo Sapiens e vão continuar a existir depois da nossa inevitável (e NATURAL) extinção como espécie biológica.
O que á Natural ou Anti-Natural é a própria Natureza que define...não o Homem, que é apenas um animal como os outros, parte integrante da natureza e não distinto dela.

Sei que 'escandalizo' se calhar alguns que vão ler isto mas paciência. Não tenho feitio para hipocrisias, é assim que penso e não me afasto, nem um mílimetro, deste raciocínio.
Chamem-me o que quiserem: liberal, libertário,avançado,subversivo, prá frentex, libertino, gramsciano, permissivo, progressista, etc, etc....i don't care.
Não é uma questão de moda.
É uma questão de fundíssima convicção, crença e defesa de amplas liberdades individuais, da noção de que as sociedades não são estáticas e imutáveis,de que a Economia é o principal motor dessas mutações sociais e históricas (Marx não opinou, limitou-se apenas a constatar um facto, nada mais), de defesa de igualdade perante a Lei e de 'esferas minárquicas'.

Há quem goste, há quem não goste.
Mas nunca se pôde agradar a todos.
Paciência.

ps-Estas questões já nada têm a ver com a dicotomia saída da Convenção.
Nada mesmo.
Isso foi chão que deu uvas.

04 fevereiro, 2006 01:25  
Blogger Flávio Santos said...

«Finalmente, uma condenação inequívoca dos mafométicos.» - Se ler o texto com atenção verá que não é a eles que me refiro.

04 fevereiro, 2006 08:53  
Anonymous Anónimo said...

...Como se o cancro atacasse de fora. Isto é a tal doença do umbigo! Os olhos só vêm para lá...
A Natureza encarregará o homem da sua própria natureza.
Conhecem a história do escorpião que queria atravessar o rio e pediu ajuda ao cágado?
O cagado respondeu - mas se te ajudar a atravessar tu espetas-me com teu veneno! Não, responde o escorpião, assim morreriamos os dois afogados. Convencido o cágado leva o escorpião na sua carapaça, a meio do percurso o escorpião espeta o veneno no cágado, este incrédulo diz - Mas agora vamos morrer os dois, porque fizeste isso? - Porque está na minha natureza!

Legionário

04 fevereiro, 2006 14:50  
Blogger acja said...

É interessante como alguns comentam como se fizessem posts e não acertam nem o tópico da questão.

05 fevereiro, 2006 04:12  
Anonymous Anónimo said...

A sua citação do «Manifesto Comunista» está truncada e portanto falsifica o pensamento de Marx.
Cito o «Manifesto ..»:

«Sobre o que repousa a família actual, a família burguesa? Sobre o capital, sobre o enriquecimento privado. Ela só existe com o seu pleno desenvolvimento para a burguesia; mas ela encontra o seu complemento na inexistência forçada da família entre os proletários e na prostituição pública.
«A família do burguês desaparece naturalmente com o desaparecimento do seu complemento e ambos desaparecem com o desaparecimento do capital» (Manifesto do Partido Comunista, pag 29).

Marx só preconiza a desaparição da família burguesa, não da família em geral.

Há, pois, que ler as coisas com isenção e medita-las sem demagogia, FG SAntos.

05 fevereiro, 2006 12:38  
Anonymous Anónimo said...

Mas que raio é a família burguesa? E em que é que é diferente da família "não-burguesa"?

NC

05 fevereiro, 2006 14:11  
Blogger Flávio Santos said...

Ao anónimo: essa citação está correcta, a que se segue a frase que eu tinha (mal) em memória e que reza (desculpe a expressão!):
«Censurais-nos por querermos suprimir a exploração das crianças pelos pais? Confessamo-nos culpados deste crime.» E segue: «Mas, dizeis, suprimimos as relações mais queridas ao substituirmos a educação doméstica pela social.»
Perante isto, não sei em que é que subverti o pensamento marxista-engeliano, que propugna sem dúvidas nem hesitações a dissolução dos milenares laços familiares, em prol de uma utópica organização societal fortemente centralizada, inclusive nas relações entre parentes (uso o termo pois parece evidente a vontade de que a "família" desapareça como tal).
Mais à frente, proclama-se «para os países mais avançados» 10 medidas, entre as quais:
«8. Obrigatoriedade do trabalho para todos, constituição de exércitos industriais, em especial para a agricultura.»
Não venham agora dizer que o que se fez na URSS, na China e no Canbodja vai contra o que Marx e Engels propuseram há século e meio.

05 fevereiro, 2006 15:23  
Blogger Marcos Pinho de Escobar said...

Excelente texto. É tanta gente a querer a liberdade total(até mesmo para contrariar a fisiologia humana)que se calhar não haverá dela para todos. Será que viveremos para ver aonde isto nos irá levar?

06 fevereiro, 2006 01:26  

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