Violet Trefusis e o Duce
A escritora Violet Trefusis (1894-1972) era filha de Alice Keppel, a amante preferida de Eduardo VII. Apesar da nacionalidade inglesa sentia-se francesa espiritualmente. Para muitos é mais conhecida pela relação tórrida que manteve com outra escritora, Vita Sackville-West (a dedicatária do “Orlando” de Virginia Wolf), que era casada com o conhecido diplomata Harold Nicholson. O filho deste casal narrou aquela relação no livro “Retrato de um Casamento” (já traduzido em português), que por sua vez teve uma excelente adaptação televisiva pela BBC, série que passou na RTP há pouco mais de uma década.
“Prelude to Misadventure”, de Violet Trefusis, é um conjunto de textos que evocam a França que viveu a escritora, bem como figuras como Colette, Cocteau, Poulenc. O desastre (“misadventure”) do título do livro refere-se à II Guerra Mundial e é o ambiente que a autora conheceu antes da grande catástrofe que nos traz esta obra.
Do volume faz igualmente parte uma entrevista com Benito Mussolini, a única concedida pelo Duce a uma inglesa. A admiração de Trefusis por Mussolini era bastante grande, não escondendo a autora o desagrado que lhe causou a aproximação da Itália à Alemanha de Hitler.
O capítulo em causa, o VII, simplesmente intitulado “Mussolini”, é uma compilação de notas tomadas pela autora nessa época, 1937, salientando-se que foi escrito antes dos «actos condenáveis que Mussolini perpetrou e que lhe foram impostos pelo seu monstruoso cúmplice».
O capítulo descreve pormenorizada e divertidamente as peripécias por que a autora teve que passar até conseguir chegar à fala com o ditador. Quando chegou o momento esperado, Trefusis tremia de medo...
A França foi o primeiro tema da entrevista: «Dentro de seis meses a França tomará o caminho da Rússia», diz Mussolini: «A França mudou muito, já não é o mesmo país, as suas qualidades superiores atrofiaram-se à míngua de serem utilizadas; ela é morbida, decadente [em italiano, no texto]...» E avançava, profético:«A França não tem qualquer necessidade de espírito, o que lhe faz falta é esprit de corps. O espírito é que causará a sua perda.»
Em contrapartida, Mussolini nada quis dizer sobre a Inglaterra, que parecia ser um tema tabú. À evocação por parte de Trefusis da frase «a antiguidade é a juventude do mundo», o Duce animou-se, notando a autora que «havia nele qualquer coisa de extraordinariamente juvenil, um ardor de jovem rapaz».
A pedido da escritora, o Duce ofereceu-lhe um objecto pessoal. Um lápis, mas não um qualquer, «o seu preferido, um que esteja gasto, mordido»... Outro pedido: ir à varanda de onde Mussolini fazia os seus discursos ao povo italiano. «Macchè! Venite pure!» Perante a magnífica visão de Roma, exclama Mussolini: «Che bellezza...» Violet observa, inteligente: «Ele dominara muitas coisas, países, congressos, colónias, línguas, desportos, estratégia. A beleza era inalcançável, escapava-lhe sempre. Não era por acaso que ele era latino. A beleza atormentava-o.» Com um suspiro, o ditador reentra na sala.
Chegara ao fim a entrevista, mais longa que o esperado. «Não a vou convidar a jantar comigo, como verá não se trata propriamente de um banquete.» (Com efeito, o jantar resumia-se a um prato de sopa e um cacho de uvas.) «Addio, signora, gostei da conversa, se desejar um dia uma nova entrevista, ela ser-lhe-á concedida. Envie-me os seus livros, gostava de os ler.»
O capítulo tem um final divertidíssimo, com a autora a contar a entrevista a Galeazzo Ciano, por quem não nutria qualquer simpatia:
«- Sei que esteve com o Duce. Por muito tempo?
- Não muito.
- O habitual quarto de hora?
- Um pouco mais.
- Meia hora?
- Receio que um pouco mais.
- O quê? Mais de meia hora? Uma hora? (Os seus olhos tentavam em vão plagiar o olhar penetrante e intimadatório do seu sogro.) Mais de uma hora? Incredibile!
- Uma hora e vinte minutos, para ser precisa.
- Mas que diabo de conversa arranjou para tanto tempo? (Os outros convivas presentes disfarçavam as risadas.)»
Diz Trefusis: «Ciano não possuía de modo algum a envergadura do sogro. Era irascível, parcial, vingativo, de um orgulho desmesurado. A vaidade: o seu talão de Aquiles, meu rapaz, como na maior parte dos italianos.» E exemplificava: «A origem da sua aversão pela França era dupla: não lhe terem atribuído a Legião de Honra aquando da sua visita a Paris, em 1935, e a dama francesa que tentou seduzir na ocasião não ter correspondido aos seus avanços... Após o que declarou que a França era um país “infrequentável”».
Para Violet Trefusis, independentemente dos acontecimentos que se deram após a entrevista com o Duce, esta «permaneceria intacta na minha memória, um pequeno monumento dedicado ao lamento por uma compreensão maior que poderia ter nascido, houvessem as relações entre a Itália e a Inglaterra e a Itália e a França sido mais claras».
Excertos da versão francesa, “Prélude au Désastre”, Salvy Éditeur, 1997 (tradução livre de FG Santos).
“Prelude to Misadventure”, de Violet Trefusis, é um conjunto de textos que evocam a França que viveu a escritora, bem como figuras como Colette, Cocteau, Poulenc. O desastre (“misadventure”) do título do livro refere-se à II Guerra Mundial e é o ambiente que a autora conheceu antes da grande catástrofe que nos traz esta obra.
Do volume faz igualmente parte uma entrevista com Benito Mussolini, a única concedida pelo Duce a uma inglesa. A admiração de Trefusis por Mussolini era bastante grande, não escondendo a autora o desagrado que lhe causou a aproximação da Itália à Alemanha de Hitler.
O capítulo em causa, o VII, simplesmente intitulado “Mussolini”, é uma compilação de notas tomadas pela autora nessa época, 1937, salientando-se que foi escrito antes dos «actos condenáveis que Mussolini perpetrou e que lhe foram impostos pelo seu monstruoso cúmplice».
O capítulo descreve pormenorizada e divertidamente as peripécias por que a autora teve que passar até conseguir chegar à fala com o ditador. Quando chegou o momento esperado, Trefusis tremia de medo...
A França foi o primeiro tema da entrevista: «Dentro de seis meses a França tomará o caminho da Rússia», diz Mussolini: «A França mudou muito, já não é o mesmo país, as suas qualidades superiores atrofiaram-se à míngua de serem utilizadas; ela é morbida, decadente [em italiano, no texto]...» E avançava, profético:«A França não tem qualquer necessidade de espírito, o que lhe faz falta é esprit de corps. O espírito é que causará a sua perda.»
Em contrapartida, Mussolini nada quis dizer sobre a Inglaterra, que parecia ser um tema tabú. À evocação por parte de Trefusis da frase «a antiguidade é a juventude do mundo», o Duce animou-se, notando a autora que «havia nele qualquer coisa de extraordinariamente juvenil, um ardor de jovem rapaz».
A pedido da escritora, o Duce ofereceu-lhe um objecto pessoal. Um lápis, mas não um qualquer, «o seu preferido, um que esteja gasto, mordido»... Outro pedido: ir à varanda de onde Mussolini fazia os seus discursos ao povo italiano. «Macchè! Venite pure!» Perante a magnífica visão de Roma, exclama Mussolini: «Che bellezza...» Violet observa, inteligente: «Ele dominara muitas coisas, países, congressos, colónias, línguas, desportos, estratégia. A beleza era inalcançável, escapava-lhe sempre. Não era por acaso que ele era latino. A beleza atormentava-o.» Com um suspiro, o ditador reentra na sala.
Chegara ao fim a entrevista, mais longa que o esperado. «Não a vou convidar a jantar comigo, como verá não se trata propriamente de um banquete.» (Com efeito, o jantar resumia-se a um prato de sopa e um cacho de uvas.) «Addio, signora, gostei da conversa, se desejar um dia uma nova entrevista, ela ser-lhe-á concedida. Envie-me os seus livros, gostava de os ler.»
O capítulo tem um final divertidíssimo, com a autora a contar a entrevista a Galeazzo Ciano, por quem não nutria qualquer simpatia:
«- Sei que esteve com o Duce. Por muito tempo?
- Não muito.
- O habitual quarto de hora?
- Um pouco mais.
- Meia hora?
- Receio que um pouco mais.
- O quê? Mais de meia hora? Uma hora? (Os seus olhos tentavam em vão plagiar o olhar penetrante e intimadatório do seu sogro.) Mais de uma hora? Incredibile!
- Uma hora e vinte minutos, para ser precisa.
- Mas que diabo de conversa arranjou para tanto tempo? (Os outros convivas presentes disfarçavam as risadas.)»
Diz Trefusis: «Ciano não possuía de modo algum a envergadura do sogro. Era irascível, parcial, vingativo, de um orgulho desmesurado. A vaidade: o seu talão de Aquiles, meu rapaz, como na maior parte dos italianos.» E exemplificava: «A origem da sua aversão pela França era dupla: não lhe terem atribuído a Legião de Honra aquando da sua visita a Paris, em 1935, e a dama francesa que tentou seduzir na ocasião não ter correspondido aos seus avanços... Após o que declarou que a França era um país “infrequentável”».
Para Violet Trefusis, independentemente dos acontecimentos que se deram após a entrevista com o Duce, esta «permaneceria intacta na minha memória, um pequeno monumento dedicado ao lamento por uma compreensão maior que poderia ter nascido, houvessem as relações entre a Itália e a Inglaterra e a Itália e a França sido mais claras».
Excertos da versão francesa, “Prélude au Désastre”, Salvy Éditeur, 1997 (tradução livre de FG Santos).
3 Comments:
O Ciano era um caso incrível! Um homem inteligente sempre cego pela vaidade e por uma obcecada procura dos prazeres. Sabes que, mesmo para conferências diplomáticas, ele se deslocava, acompanhado por uma espécie de harém?
O livro parece interessantíssimo. Obrigado.
Obrigado pela dica literária. Parece muito promissor.
A maneira como a cinematografia dos vencedores apresentam o Ciano…O bom-vivan incompreendido, coitado! Assassinado pelo sogro…coitadinho!
Enfim palhaçadas.
Legionário
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