Ossip Mandelstam, poeta, vítima do comunismo
O escritor russo Ossip Mandelstam (1891-1937) é uma das inúmeras vítimas do comunismo soviético.
Importunado pela máquina repressora desde 1929, tendo vivido na Crimeia («sob o poder dos brancos», invocava-se) o poeta nunca mais teve sossego e viveu até à morte sob o medo e a revolta.
O seu poema «Velha Crimeia» foi o primeiro a denunciar a fome na Ucrânia (devido à colectivização forçada, morreram milhões de camponeses em poucos anos). O autor estava perfeitamente consciente do risco que corria com tal obra (bem como com o poema, abaixo reproduzido, em que fala do “montanheiro do Kremlin” – obviamente Estaline): «estou pronto para morrer» confidenciou à poetisa e amiga Anna Akhmátova. A deportação seguiu-se e, de exílio forçado em exílio forçado, nunca mais o largou nos poucos anos que teve de vida. «Neste momento, sem qualquer culpa nova, tiraram-me tudo: o direito à vida, ao trabalho, ao tratamento médico. Estou na situação de um cão... Sou sombra. Não existo. Só tenho o direito de morrer. Impelem-me a mim e à minha mulher ao suicídio. É inútil dirigir-me à União dos Escritores. Lavarão daí as suas mãos.»
Em Maio de 1937 volta por breve tempo a Moscovo. «As pessoas também mudaram, são todas como que profanadas.» Morre em Dezembro de 1938, num campo de trânsito perto de Vladivostok. De fome.
Ajuda-me Senhor! A chegar à madrugada,
Temo pela tua escrava, pela vida...
A noite em Petersburgo é no caixão dormida.
(Outubro de 1931)
Vivemos sem sentir o país sob os pés,
Nem a dez passos ouvimos o que se diz,
E quando chegamos enfim à meia fala
O montanheiro do Krémlin lá vem à baila.
Dedos gordurosos como vérmina gorda,
As palavras certas como pesos de arroba.
Riem-se-lhe os bigodes de barata,
Reluzem-lhe os canos da bota alta. (...)
(Novembro de 1933)
Ainda não morreste, inda não estás sozinho:
A companheirinha-mendiga
No vale magnânimo e com a bruma, o frio,
A tempestade – está contigo.
Na pobreza opulenta, miséria poderosa,
Vive tranquilo e consolado.
Benditas são as noites e os dias, e o labor
Do belo-verbo é sem pecado.
Desgraçado é quem de si mesmo é a sombra,
A quem assusta o ladrido,
O vento ceifa. É pobre quem pede esmola à sombra
Meio morto e ferido.
(Janeiro de 1937).
(Notas biográficas e poemas seleccionados retirados do volume “Guarda minha fala para sempre” de Ossip Mandelstam, Assírio e Alvim, 1996.)
Importunado pela máquina repressora desde 1929, tendo vivido na Crimeia («sob o poder dos brancos», invocava-se) o poeta nunca mais teve sossego e viveu até à morte sob o medo e a revolta.
O seu poema «Velha Crimeia» foi o primeiro a denunciar a fome na Ucrânia (devido à colectivização forçada, morreram milhões de camponeses em poucos anos). O autor estava perfeitamente consciente do risco que corria com tal obra (bem como com o poema, abaixo reproduzido, em que fala do “montanheiro do Kremlin” – obviamente Estaline): «estou pronto para morrer» confidenciou à poetisa e amiga Anna Akhmátova. A deportação seguiu-se e, de exílio forçado em exílio forçado, nunca mais o largou nos poucos anos que teve de vida. «Neste momento, sem qualquer culpa nova, tiraram-me tudo: o direito à vida, ao trabalho, ao tratamento médico. Estou na situação de um cão... Sou sombra. Não existo. Só tenho o direito de morrer. Impelem-me a mim e à minha mulher ao suicídio. É inútil dirigir-me à União dos Escritores. Lavarão daí as suas mãos.»
Em Maio de 1937 volta por breve tempo a Moscovo. «As pessoas também mudaram, são todas como que profanadas.» Morre em Dezembro de 1938, num campo de trânsito perto de Vladivostok. De fome.
Ajuda-me Senhor! A chegar à madrugada,
Temo pela tua escrava, pela vida...
A noite em Petersburgo é no caixão dormida.
(Outubro de 1931)
Vivemos sem sentir o país sob os pés,
Nem a dez passos ouvimos o que se diz,
E quando chegamos enfim à meia fala
O montanheiro do Krémlin lá vem à baila.
Dedos gordurosos como vérmina gorda,
As palavras certas como pesos de arroba.
Riem-se-lhe os bigodes de barata,
Reluzem-lhe os canos da bota alta. (...)
(Novembro de 1933)
Ainda não morreste, inda não estás sozinho:
A companheirinha-mendiga
No vale magnânimo e com a bruma, o frio,
A tempestade – está contigo.
Na pobreza opulenta, miséria poderosa,
Vive tranquilo e consolado.
Benditas são as noites e os dias, e o labor
Do belo-verbo é sem pecado.
Desgraçado é quem de si mesmo é a sombra,
A quem assusta o ladrido,
O vento ceifa. É pobre quem pede esmola à sombra
Meio morto e ferido.
(Janeiro de 1937).
(Notas biográficas e poemas seleccionados retirados do volume “Guarda minha fala para sempre” de Ossip Mandelstam, Assírio e Alvim, 1996.)
1 Comments:
Esse Mandelstam era judeu e não russo!Fala a verdade porra!
Enviar um comentário
<< Home