01 janeiro 2006

Ano novo, vida velha

Em 1869, tendo conhecimento que Julie Schumann se iria casar em breve, Johannes Brahms, pegando em versos de “Harzreise im Winter”, de Goethe, musicou-os e ofereceu-os como uma canção de núpcias (trata-se da Rapsódia para Contralto, op. 53).
O tema escolhido não parece nada indicado para um acontecimento festivo como um casamento, pois narra os tormentos de um viandante em busca da própria identidade.
Mesmo para quem a língua alemã seja estranha, não deixará de se reconhecer a extraordinária musicalidade e expressividade destes versos:

Ach, wer heilet die Schmerzen
Dess, dem Balsam zu Gift ward?
Der sich Menchenhass
Aus der Fülle der Liebe trank!

(Ah, quem irá consolar as mágoas
Daquele a quem o bálsamo se tornou veneno?
Que da plenitude do amor
Bebeu o ódio dos homens!)

Quem leu o “Werther” não deixará de encontrar similutes de sensações e sentimentos entre esta obra e os versos acima reproduzidos. E que dizer deste verso:

Erst verachtet, nun ein Verächter

(Outrora desdenhado, agora desdenhador)

e desta frase do “Werther”: «cada vez se tornava mais intratável e ríspido, à medida que se tornava mais infeliz»?

Ocorreu-me o contexto em que Brahms compôs a obra citada pelo espírito subjacente à euforia de que é rodeada a comemoração do Ano Novo, que regra geral me deprime, não só porque acontecimentos relativamente recentes ocorridos nesta altura do ano me provocam esse sentimento, como por achar disparatado que a simples mudança de uma página do calendário propicie por si só que as agruras deste mundo se tornem menos amargas e, sem efectiva acção dos homens, se espere a chegada de uma nova era.
Dito isto, as minhas desculpas aos meus leitores mais optimistas (ou preguiçosos, como diria o Paulo) e votos de um bom ano.

1 Comments:

Blogger Paulo Cunha Porto said...

Querido Amigo:
Um extremo de sensibilidade, o teu "post". É o grande dilema: curvarmo-nos aos êxtases calendarizados e superficiais da época, ou fazermos de "Scrooges do Ano Novo". No meio, algures, estará o equilíbrio. E Tu és Mestre em encontrá-lo. Um abraço, com o desejo muito fraterno de Tudo de Melhor.

01 janeiro, 2006 13:45  

Enviar um comentário

<< Home