08 dezembro 2005

Perante a morte

A morte nas palavras de dois escritores proscritos da literatura oficial do século XX:

«Escrever torna-se cada vez mais penoso. Na juventude, escrever era um acto de alegria. Tudo aquilo em que tocava, homens, coisas e deuses, tornava-se poesia e felicidade. O mundo parecia ignorar a tragédia, a morte não passava de um simples conceito, inconcebível enquanto realidade pessoal. Na velhice, tudo o que toco torna-se tragédia, mesmo as coisas que não me dizem respeito, a história dos outros. A morte faz-me sinais, serve-se dos que me rodeiam para se fazer lembrar a cada instante, para que à minha volta só exista um mundo feito à sua imagem. Por este motivo, escrever torna-se cada vez mais triste. Cada letra representa mais um passo, menos um minuto.»

Vintila Horia, “Deus nasceu no Exílio”, Ambar, Colecção Cântico Final, Porto, 2002.

«Aqui estamos mais uma vez sozinhos. Tudo isto é tão lento, tão pesado, tão triste... Dentro de pouco tempo estarei velho. Tudo então se acabará. Tanta gente que passou aqui por este quarto. Disseram coisas. Não me disseram grande coisa. Foram-se embora. Envelheceram, tornaram-se lentos e miseráveis, cada qual no seu recanto da terra.»

Louis-Ferdinand Céline, “Morte a Crédito”, Assírio e Alvim, Lisboa, 1986.