12 janeiro 2006

O casamento

Num texto notável, o nosso amigo Corcunda disseca as taras de propostas de sociedade que podemos resumir como puramente materialistas, posto que centram as suas preocupações de mudança na questão da redistribuição, não curando de reflectir sobre o que gera o produto que se quer redistribuir ("gera" em sentido abrangente, incluindo questões de ética) e, à boa maneira marxista, concentram todas as variáveis de sociedade no que é material.
A sociedade “moderna” resume-se, assim, a um conjunto de indivíduos, desejavelmente sem grandes vínculos ao passado e às tradições, cada qual lutando pelo seu quinhão no bolo de riqueza por ela gerado. O “homo economicus”, em suma.
Esta visão gera rancores ou ressentimentos pelos que não ascendem, não necessariamente na medida do seu valor mas porque “é justo” (justiça social). Nada de apelo ao esforço individual, apenas direitos, não deveres.
Ontem, ao acaso de um zapping, deparei com um número de “rap”, em que os dois “cantores”, entre múltiplas reclamações da sociedade e ressentimentos em barda, clamavam: «se houvesse democracia, eu não seria uma minoria»…
Também Kafka, numa passagem brilhante de “O Processo”, representa um indivíduo a ser chicoteado. Mas o seu desejo não era de que houvesse justiça na sociedade mas sim que um dia, por ascensão social, se pudesse alcandorar à função de chicoteador! Na mesma obra Josef. K indaga sobre um quadro representando um juiz nas alturas, com a balança da justiça na mão; claro que, assim, no ar, a balança nunca poderia estar equilibrada!
Materialismo e justiça assente em princípios abstractos e quantas vezes utópicos representam bem a modernidade em que vivemos. O casamento “possível” entre o capitalismo e o ideário marxista.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Esta es la propuesta del sistema, querido amigo: ultracapitalismo en lo economico, socialdemocracia en lo politico y comunismo en lo cultural.
Ni Gramsci lo hubiera hecho tan bien.
Ya denuncio Croce el "nuevo orden" que se echaba encima, lo que el filosofo italino denomino el "neocapitalismo amoral".
Rafael Castela Santos

12 janeiro, 2006 20:10  
Blogger O Corcunda said...

O exemplo do Kafka é perfeito, porque demonstra que pode haver um processo sem fim. O "rule of law" é por isso uma concepção que deve estar sempre subordinada a um fim. Senão é apenas a escolha aleatória do supliciador e do supliciado...

13 janeiro, 2006 17:05  
Anonymous Anónimo said...

Mas diga-me: que alternativa económica apresenta a direita nacional antiparlamentar, que tão bem protagoniza? Uma alternativa anticapitalista?
O salazarismo era anticapitalista? Ou era apenas capitalismo nacional gradualmente associado às multinacionais a partir de 1962? O projecto económico da direita nacional não é nenhum: e isso vê-se na ausência de propostas económicas concretas a favor dos trabalhadores. É a direita dos empresários nacionais, da pequena e média burguesia ultraconservadora, saudosa do corporativismo, da PIDE e dos «valores». Tão só isso.

15 janeiro, 2006 23:53  

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