23 novembro 2005

Incursão futebolística: memória selectiva













Embora possa ferir as suceptibilidades de alguns amigos benfiquistas que por aqui passam, pelo que vai escrito de seguida, vejo-me forçado a fazer uma pequena incursão desportiva neste blogue regra geral sorumbaticamente empenhado em debater questões de política internacional, de história ou música clássica.
Ontem navegava por um blogue desportivo que tem uma foto de Feher e uma legenda com qualquer coisa do tipo “eterna memória”. Não há que pôr em causa a comoção que causou a morte do jovem futebolista em pleno relvado do D. Afonso Hennriques (numa altura em que se multiplicam as bancadas com nomes de patrocinadores, que dizer do bom gosto dos vitorianos que votaram no nome do fundador da nacionalidade para baptizar o estádio?). Mas tal como há vítimas e vítimas ao longo da história, também em Portugal parece haver vítimas com maior peso que outras.
E lembro-me, claro, do jovem (25 anos) e talentoso futebolista Hugo Cunha, falecido há seis meses. Na altura pertencia aos quadros da U. Leiria mas aprendi a admirá-lo como jogador quando fazia parte daquela grande equipa vitoriana que Augusto Inácio construíu e que, à falta de resultados de maior impacto, deliciou os amantes da bola com o seu futebol tecnicista, geométrico e agradável. Era realmente um belo plantel, com nomes como Palatsi, Bessa, Rogério Matias, Nuno Assis, Pedro Mendes, Romeu (agora a mostrar a sua raça no Belenenses) e o nosso Hugo Cunha. Ficaram na minha memória duas estupendas vitórias frente ao Porto e Boavista (ambos por 2-0), tendo nesta última partida Romeu marcado, de calcanhar, aquele que veio a ser considerado o melhor golo dessa época.
Pobre Hugo Cunha, que não jogou no Benfica e que, apesar de português, é muito menos lembrado que um húngaro.
Para muita gente, a começar pelos jornais desportivos, o Benfica é uma nação, sendo os seus sucessos tão ou mais importantes que os das selecções nacionais. Lembram-se do alarido com que a vitória de um espanhol na Volta a Portugal foi celebrada, por ser do Benfica, sendo o derrotado um dos melhores ciclistas portugueses da altura, Vítor Gamito?
Também havia um belenense que dizia que era português por acaso e belenense por convicção. O fanatismo não conhece cores mas a repercussão que o benfiquismo tem é perfeitamente doentia e bem espelhada num livro que teve pouco eco (“et pour cause”), “Benfica Super-Star”, de Júlio Vieira, um conjunto de contos delicioso que nos traz o ambiente fanático que se vivia nos anos 60 em torno do emblema da águia.
Outros jovens jogadores que morreram no auge da sua carreira foram sendo mais ou menos esquecidos: o belenense Pepe, à época considerado o melhor jogador português; Pavão, do FC Porto, falecido no decorrer de um encontro no Estádio das Antas; ou ainda o infortunado João Pedro, da CUF, onde era companheiro do então quase desconhecido Manuel Fernandes, e que também se finou em pleno relvado.
Que descansem em paz e que o seu exemplo de dedicação inspire os jogadores de hoje, muitos dos quais só pensam nos cifrões, nos carros de alta cilindrada e… em pouco empenho.

1 Comments:

Blogger Paulo Cunha Porto said...

Ah pois feres, feres. O benfiquismo uma doença? Qual, para muito Boa Gente, uma razão de viver. O Pepe e o Pavão ainda são muito lembrados pelos mais Antigos. O facto de a juventude se lembrar mais do Feher tem unicamente a ver com as esperanças que nele depositava. E claro que o Hugo Cunha, por muito lamentável que seja, como é, a sua morte, não tinha o grau de projecção do internacional húngaro.
Gostaste de ouvir ontem, no «Stade de France», os adeptos benfiquistas gritarem «Portugal! Portugal!»? Claro que o SLB é um felicíssimo resumo do País, mas aqueles nossos compatriotas também vão ver o FCP e o SCP, quando eles lá vão. Até iriam ver o Belém, se passasse pela cabeça de alguém levá-lo lá.
Abraço.

23 novembro, 2005 15:38  

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